quinta-feira, 27 de março de 2014

O Teatro que nos ultrapassa... (Uma espécie de declaração de amor)

     
Antes de começarem a ler, devo avisar que este texto pode tornar-se aos vossos olhos, um texto sem piadinha nenhuma e até... um bocado lamechas! Mas há dias em que fico assim, e, hoje, é um deles!

Quando comecei a fazer teatro (Há 23 anos!), era tudo novidade!  Era tudo dúvida e inquietação! não estivesse eu a viver a adolescência com tudo o que tinha direito (borbulhas, paixões, depressões, complexos...)  Tudo cheirava a primeira vez! A vida, sabia a primeira vez!
E comecei a fazer Teatro, que é como quem diz: comecei a conhecer-me. 
Que é como quem diz: comecei a viver!

Alguém me disse: "O Teatro imita a vida!", e nunca mais esqueci. 
Não percebia bem a expressão mas sentia-a incompleta, redutora. E de alguma forma, tudo o que se seguiu, na vida, provou que o meu instinto estava certo. Até porque o Teatro tomou conta da minha vida, invadiu-a!
Felizmente a vida ensinou-me que o Teatro, mais do que se limitar a imitar, transforma tudo o que toca... Transforma a própria vida! 
Hoje tenho a certeza de que o Teatro ultrapassa a própria vida. 

Já tenho falado no TEATRO IBISCO... Não poderia passar o dia mundia do Teatro sem falar no meu Teatro do coração. Naquele que se tornou uma segunda casa, uma família! 
O Teatro IBISCO (Teatro Inter Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Optimismo), ultrapassou-me!
O Teatro IBISCO, desmontou-me e mostrou-me o quanto tenho para aprender. 
E isto é um privilégio!
O trabalho do IBISCO nos bairros sociais de Loures, Setúbal e, agora Cascais, prova a cada dia, que a Cultura, a Arte tem o poder da transformação, da libertação! E isto, não só pelo que vemos a mudar nos jovens que trabalham conosco, mas pelo que nos transforma a nós formadores/encenadores, "artistas profissionais"?!

E mais do que nos palcos deste país (com as devidas - poucas - excepções), é nos palcos destes bairros, nos palcos destas vidas, que (re)encontro  "o irreprimível desejo de representação", de que fala Brett Bailey na mensagem do dia do Teatro (mais a baixo), ou "o desejo de Teatro", como diria Isabel Alves Costa (minha professora).

Obrigada Teatro IBISCO, por seres espaço de encontro comigo mesma, por seres palco onde a vida se transforma, aos nossos olhos, a vivo e a cores... Muitas e diversas cores!
Obrigada Miguel Barros pela tua loucura e capacidade de ver mais longe, que tornou possível este sonho... por me dares a oportunidade de ver na primeira fila, este Teatro que nos ultrapassa.

Nota: eu avisei que seria lamechas... Já agora, espreita a mensagem do Dia Mundia do Teatro, aqui:

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International Theatre Institute ITI

World Organization for the Performing Arts

Dia Mundial do Teatro, Mensagem de 2014 Autor: Brett Bailey

Desde que existe sociedade humana, existe o irreprimível espírito da representação.

Debaixo das árvores, nas pequenas cidades e sobre os palcos sofisticados das grandes metrópoles, nas entradas das escolas, nos campos, nos templos; nos bairros pobres, nas praças públicas, nos centros comunitários, nas caves do centro das cidades, as pessoas reúnem-se para comungar da efeméride do mundo teatral que criámos para expressar a nossa complexidade humana, a nossa diversidade, a nossa vulnerabilidade, em carne, em respiração e em voz.

Reunimo-nos para chorar e para recordar; para rir e para comtemplar; para ouvir e aprender, para afirmar e para imaginar. Para admirar a destreza técnica, e para encarnar deuses. Para recuperar o folego coletivo, na nossa capacidade para a beleza, a compaixão e a monstruosidade. Vive??mos pela energia e pelo poder. Para celebrar a riqueza das várias culturas e para afastar as fronteiras que nos dividem.

Desde que existe sociedade humana, existe o irreprimível espírito da representação.

Nascido na comunidade, veste as máscaras e os trajes das mais variadas tradições. Aproveita as nossas línguas, os ritmos e os gestos, e cria espaços no meio de nós. E nós, artistas que trabalhamos o espírito antigo, sentimo-nos compelidos a canalizá-lo pelos nossos corações, pelas nossas ideias e pelos nossos corpos para revelar as nossas realidades em toda a sua concretude e brilhante mistério.

Mas, nesta ERA em que tantos milhões lutam para sobreviver, está-se a sofrer com regimes opressivos e capitalismos predadores, fugindo de conflitos e dificuldades, com a nossa privacidade invadida pelos serviços secretos e as nossas palavras censuradas por governos intrusivos; com as florestas a ser aniquiladas, as espécies exterminadas e os oceanos envenenados.

O que é que nos sentimos obrigados a revelar?

Neste mundo de poder desigual, no qual várias hegemonias tentam convencer-nos que uma nação, uma raça, um género, uma preferência sexual, uma religião, uma ideologia, um quadro cultural é superior a todos os outros, será isto realmente defensável? Devemos insistir que as artes sejam banidas das agendas sociais?

Estaremos nós, os artistas do palco, em conformidade com as exigências dos mercados higienizados ou será que têm medo do poder que temos para limpar um espaço nos corações e no espirito da sociedade, reunir pessoas, para inspirar, encantar e informar, e para criar um mundo de esperança e de colaboração sincera? 

Tradução: Margarida Saraiva; revisão EV; Escola Superior de Teatro e Cinema

quarta-feira, 5 de março de 2014

Mãe-actriz em tempos de carnaval

Ser uma "mãe-actriz" cria sempre expectativas nas educadoras e professoras...  
- ó mãe, (que é assim que nos chamam), vai haver festa de carnaval! Os meninos têm de vir mascarados! E a mãe também!! (Risos!)
- ... Ah! Pois... Terei de ver...
- OH! Para a mãe é fácil! É actiz! 
- ... (Bolas!)
- E não esquecemos quando veio de bruxa! Estava irreconhecível! Como será que vem este ano?

A fasquia estava tão alta que fiquei sem opção: tinha de levar isto a sério!
O Tomé foi de palhaço - um lindo palhaço! Era difícil arranjar uma fatiota que estivesse à altura, mas lá me ocorreu: 
Vou de banana! - Pareceu-me lógico! 
E fui! E o meu sucesso foi medido, não em palmas, mas em trincas das crianças que me queriam morder a ver se era verdadeira! 
O que me valeu foi o meu palhacinho que me defendeu como um verdadeiro guarda-costas (se é que as bananas têm costas). Ele bem insistia:
- Deixa a minha mãe! 
Não sei se conseguem imaginar a cena... Um palhaço a dizer isto de uma banana... 
Eu temi pelo meu filho... Será que o traumatizo?

Mas o momento alto da tarde, já depois de sairmos da festa e irmos todos contentes no carro (eu de banana a conduzir) foi quando me disse:
- mãe...
- sim?
- és uma banana! 
- pois sou, filho! 
- eu também não!

 


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A Alma de um País é a sua Cultura! (@ ibisco.org)

 

Pois, agora que já estás boa da perna já não escreves no Blogue!
Sim, de facto, agora que consigo andar de um lado para o outro e não estou quieta sentada no sofá, tenho menos tempo para escrever.
Não significa que não tenha coisas pra dizer... 
Tenho. 
Ai se tenho! Até porque o ritmo dos disparates que acontecem neste país, é muito intenso e mal dá para acompanhar! Eu até tenho muita vontade de escrever sobre a actualidade nacional, mas é que quando finalmente acabo de rir da primeira piada que ouço pela manhã, já o país lança a segunda e mal dá para recuperar o fôlego, quanto mais escrever! 

Mas tenho muito para dizer, e coisas muito mais interessantes e úteis do que as bacoradas do Sr. Secretário do-vão-de-escada-da-cultura! Porque tenho FEITO muitas coisas interessantes e úteis! 

Desde que a minha perninha se soltou da companhia das canadianas (há mais de 1 mês!) que ando por aí, de bairro em bairro, a salvar o mundo e construir teatros! 
Ah! Que exagerada, Susana! - dizem vocês! 
Sim, eu confesso, a parte do "salvar o mundo" está ligeiramente exagerada.

Desde que tive a sorte de partir a perna e ficar sem o trabalho na novela, que a minha vida está muito mais focada na minha família e na outra família que é o TEATRO IBISCO - onde me sinto verdadeiramente a trabalhar pela Cultura deste país. Senão, vejam:
- Estamos a construir o primeiro teatro-sala-estúdio do bairro da Bela Vista, em Setúbal; 
- Vamos abrir uma micro-galeria de arte/atelier no meio de um ginásio social na Quinta da fonte, em Loures;
- Estamos a equipar o "Foier" do nosso teatro na Apelação para ser "uma espécie de café-teatro";

E não contentes com isto, ainda estamos a DAR FORMAÇÃO em teatro, dança, e não só, a crianças, jovens e adultos, e dar-lhes oportunidade de trabalhar em conjunto (em contextos muitas vezes de rivalidades), e de MOSTRAR os seus trabalhos artísticos. 

Ou seja, estamos claramente em contra-corrente! 
Enquanto há pessoas (com responsabilidades na gestão deste país - credo!) que dizem que "o povo tem fome, não precisa de cultura e arte para nada", nós IBISCO, afirmamos que, exactamente por país estar em crise e haver tanta gente com fome, é da maior urgência criar, apoiar e promover a arte como ferramenta para a inclusão social e auto-estima de um povo! 

Nem só de pão vive um povo e, num pais onde escasseia o pão, ao menos que se alimente a alma: 
A alma de um país é a sua Cultura! 


 Espreita: IBISCO.org 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

COMEÇAR O ANO COM A PERNA DIREITA



2013 foi o ano da família - de amar, valorizar e estar com a família.

Eu podia ficar por aqui, porque é o mais importante mas não resisto a dizer mais umas coisinhas:

2013 foi o ano do MUNDO AO CONTRÁRIO e do meu mundo virado ao contrário!

Foi o ano em que me desafiaram para direcção da Guilherme Cossoul, que desejo vir a ajudar mais a crescer e a sobreviver a estas políticas culturais.

Foi o ano da minha personagem  Celeste (mundo vs celeste) - que vai voltar em breve.

Foi o ano do Festival O BAIRRO I O MUNDO  que mudou a Quinta da Fonte, e do crescimento do Teatro IBISCO  (Inter Bairros para a Inclusão Social e Cultura do Optimismo) onde me sinto realmente a construir futuros!

Foi o ano  I LOVE IT,  onde para além de ter gostado de fazer direcção de actores, gostei mesmo das pessoas!

Foi o ano do regresso da loira (e isto até dava um bom título... ).

E foi o ano da perna partida e da quase-personagem-que-tive-de-desconstruir-antes-de-acabar-a-construção, e tudo o que daí resultou, como, por exemplo, este blogue.

Tudo isto, vivido neste país maravilhoso mas que anda entregue à bicharada - o que torna tudo um maior desafio!

2014 será o ano da recuperação!

Económica? Social? Cultural? Política?
Gostava muito mas, infelizmente, não consigo ser assim tão optimista.
Falava da minha recuperação: física, económica, profissional. Nestas já acredito porque dependem mais de mim do que do governo!

Os primeiros sinais de recuperação tive já  nos últimos dias de 2013 com a notícia do meu osso consolidado.
Se há coisa que aprendi no ano 2013, é que sem revolução interior, não há recuperação! E que quanto mais trabalhei e me recusei ficar encostada, mais contribuí para a espantosa e rápida recuperação da minha perna! E se consegui isto com um osso partido, imaginem o que eu não consigo com o resto!

Por mim, garanto-vos que continuarei a trabalhar por uma outra revolução... a cultural! Para que possamos ter uma verdadeira recuperação... a da nossa identidade!

E como larguei definitivamente as canadianas e entrei no ano "com a perna direita", isto só pode dar sorte!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

É NATAL, É NATAL JÁ BATO COM O PÉ!


Há dias que merecem ser celebrados: ontem, dia 26, fez um mês que parti a perna. 
Também foi ontem que recebi o meu presente de Natal, o que só tornou a ocasião ainda mais especial.

Senti-me uma criança com o coração a bater, com a ansiedade de quem olha os presentes na árvore, à espera de ver se o Pai Natal trouxe o que foi pedido.
E abri o presente. O estômago subiu-me à boca, o coração ia rebentando e fiquei com um sorriso estúpido que talvez não desapareça tão cedo:
Um RX do meu osso... consolidado! 
Uma recuperação fantástica, como disse o medico! Só passou 1 mês! Aparentemente aquela conversa de que o estado anímico e a força de vontade ajudam, é mesmo verdade! 
Vontade não me faltou! E a força, para além da que me foi sendo dada pela família e amigos, encontrei-a mais em mim do que supunha. 
Aparentemente sou uma espécie de super heroína com parafusos e tudo (fica sempre bem o lado artificial), cuja identidade se esconde por trás de uma actriz.
A minha realidade superou a ficção!

"Parte uma perna!", disseram-me, e eu parti!
Parti, operei, chorei, desesperei, brinquei, esperei, trabalhei e recuperei.
E agora levo o meu presente (RX) na mão direita que já vai poder aliviar os calos criados neste mês de luta.
A mão esquerda ainda leva uma canadiana mas só para eu não me desequilibrar com o entusiasmo e a excitação! 
E agora: NINGUÉM ME PÁRA!!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

MUITA MERDA, FILHA!


Na Terça-feira dia 24 faz 4 semanas que parti a perna e me puseram os parafusos!
E faz 2 semanas que tirei os pontos e comecei a fisioterapia. 
Tudo está a correr bem. Já mexo bastante o pé e sinto que estou a recuperar a agilidade dos músculos e tendões. Estou cheia de força no pé! 
Agora só falta andar com o pé no chão! E isso vai ser o meu presente de natal!

Entretanto cá andei eu a saltitar de estreia em estreia!
Na semana passada, foi a vez da minha filha se estrear num espectáculo no grupo de teatro da escola. 
Claro que não resistimos em gritar à porta da escola:
- MUITA MERDA, FILHA!

A Maria mostrou um contido contentamento, sem agradecer, claro, porque não se agradece (que dá azar!), mas não deixou de olhar em volta como quem pensa "lá estão eles a envergonhar-me outra vez!".

A verdade é que houve pelo menos um "pai" que olhou surpreendido na nossa direcção. Mas isso não nos demove... Acho que ainda nos dá mais pica!

Afinal de contas, estreia é estreia! Na escola, no teatro amador ou profissional, e tínhamos de dizer alguma coisa. 

Sou uma mãe babada! Amo a minha filha! Vê-la crescer é um privilégio! Sinto-me como se estivesse sempre em ambiente de estreia. Cada dia há novidades e uma "primeira vez" em qualquer coisa. 
Quase que se pode dizer todos os dias  "Muita merda, filha!". E este foi um desses dias! 
Para além de que não podíamos dizer "parte uma perna" porque, como a Maria me disse ao fim do dia, não era justo para o Miguel: depois tinha duas coxas para aturar! 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

GALA DE ESTAR BEM!

E ainda o dia ia a meio... De cabelo arranjado e auto-estima renovada, voltei à tarefa do dia: preparar-me para a Gala!

Eu sabia que, tal como já tinha acontecido no estúdio, a minha aparição haveria causar alguma curiosidade, e que as canadianas não seriam fáceis de esconder. Ora, quando não se consegue contornar um problema, mais vale torná-lo numa grande atracção, de preferência, com sentido de humor: muito bem, resolvi a questão engalanando as canadianas com umas luzes de Natal!

Não me tinha enganado. As minhas luzes de natal, ou o meu sentido de humor, atraíram risos e sorrisos e... fotógrafos!

Acho que aquilo que mais surpreendeu as pessoas foi a minha boa disposição (genuína, garanto-vos).

Ao falar com as pessoas, dei por mim a sentir, nalguns discursos, uma certa pena pela minha pessoa e vi-me na necessidade de
desdramatizar perante os outros a minha própria fractura.

Claro que partir uma perna é muito desagradável (para além de doloroso). E quando digo que fui operada e que tenho parafusos, todos fazem uma expressão de horror, e lá tenho eu de explicar as vantagens da decisão pela operação em vez de 2 meses de gesso e mais não sei quanto tempo de reabilitação. Cada vez tenho mais a certeza de que foi a melhor decisão.

E também fiquei com a certeza de que há muita gente a ler este blogue e a identificar-se comigo. Muitos sentem empatia por terem também vivenciado alguma situação de perda.  Isto deixa-me cheia de orgulho em mim mesma, por estar, de alguma maneira, a inspirar outros.

Pelo meio, ouvi vários discursos de solidariedade da parte de colegas e isso creio ter mais a ver com o facto de perceberem e saberem o que é estar sem trabalho.

É uma realidade recorrente para a grande maioria de nós!

Curiosamente, estamos a implementar, no Teatro Ibisco, a ABOTA: um projecto comunitário para apoiar a população desempregada de bairros sensíveis de Loures no processo de arranjar (e manter!) um emprego digno e com direitos. É um projecto magnífico, do qual vos falarei em breve, e que contribui para melhorar as vidas de muitas pessoas. Afinal, ter trabalho não só é muito importante para a auto-estima, como é um passo no caminho para nos sentirmos úteis e valorizados. Para nos sentirmos bem.

E estar sem trabalho é uma merda, claro, mas ficar refém disso é muito pior. Não baixo os braços.

O que há a fazer é começar a preparar-me para o próximo trabalho, que estou certa virá... porque mereço.